Como a transição para um sistema alimentar à base de vegetais contribuiria para a redução significativa do risco de novas epidemias
A humanidade tem sido acometida pela emergência e reemergência de epidemias que afetam uma parcela significativa da população mundial, provavelmente pelo menos desde a formação dos primeiros impérios, há cerca de mais de 4.000 anos. Foi nesta época que se acelerou a interligação entre diferentes povos. Muitas epidemias registradas historicamente tiveram efeitos catastróficos entre os seres humanos.
A varíola, por exemplo, teria matado em toda a história cerca de 400 milhões de pessoas. A título de comparação, estimam-se em 150 milhões as mortes por conflitos armados em todo o mundo nos últimos 500 anos.
No século XX, a “gripe espanhola” ou “a grande influenza” vitimou, entre 1918 e 1920 (apenas 3 anos), cerca de 50 milhões de pessoas, isto é, cerca de 9% da população adulta mundial da época.
Até o momento, a doença do novo Coronavírus, a COVID-19, descoberta no final de 2019, levou à morte 2,2 milhões de pessoas em todo o mundo, entre mais de 100 milhões de infectados.
O que existe de comum entre estas doenças é que se originaram de agentes biológicos de animais não humanos. Nos últimos 40 anos, estima-se que cerca de 75% das novas doenças infecciosas humanas são zoonoses, isto é, doenças transmitidas diretamente de animais para humanos.
O modo como a humanidade interage com os outros animais é, portanto, fator relacionado com o risco do adoecimento e surgimento de epidemias. Pela sua importância econômica e impactos ambientais associados, a indústria de alimentos e o sistema alimentar vigente, grandemente baseado em produtos de origem animal, aumentam o risco de novas pandemias por zoonoses que podem ter impacto catastrófico na humanidade.
A produção industrial de animais para a alimentação impacta principalmente em quatro mecanismos relacionados com o risco de emergência de doenças infecciosas de alto impacto contra a humanidade:
1) Desmatamento e exposição de patógenos desconhecidos - Nos últimos 35 anos, foram desmatados 44 milhões de hectares de florestas apenas na Amazônia; e a área utilizada para agropecuária cresceu ali 43 milhões de hectares. Mesmo quando o desmatamento ocorre para o cultivo de grãos como soja, é necessário lembrar que a maior parte dos grãos produzidos é utilizado para alimentação dos animais da pecuária e não para a alimentação humana. Esta pressão sobre a floresta expõe os humanos que passarem pelas novas fronteiras agrícolas a novos patógenos que podem ser de alta letalidade, a exemplo de vírus de febres hemorrágicas, antes protegidos na floresta intocada.
2) Amplificação da transmissão de patógenos para seres humanos - quanto maior a transmissão do microorganismo para diferentes animais, maior a chance de mutações ocorrerem em vírus da influenza aviária ou suína no sentido de tornarem o vírus patogênico também para humanos. As condições de aglomeração sem precedentes das fazendas de “animais de produção” são as principais causas do surgimento e da propagação de patógenos nestes animais, permitindo a transmissão cada vez mais frequente entre essas espécies e os seres humanos.
3) Geração de microorganismos resistentes a antibióticos - mais de 70% dos antibióticos vendidos no mundo são usados em animais não humanos em fazendas de produção intensiva para estimular o crescimento dos animais e prevenir infecções.
4) Emissão de gases de efeito estufa e desequilíbrio ambiental - Cerca de 72% de todos os gases de efeito estufa emitidos pelo Brasil são provenientes da pecuária e de desmatamentos relacionados à agropecuária. É mais do que o dobro de todas as emissões de indústrias e transportes somadas. O aquecimento global provoca a destruição de ecossistemas e a possibilidade de exposição de patógenos desconhecidos para populações humanas.
Vemos, portanto, que a substituição deste sistema alimentar por um centrado em alimentos de base vegetal (plant based system) é uma questão de biossegurança, isto é, de garantir a segurança biológica para a humanidade no Planeta. Esta mudança depende das escolhas pessoais em realizar a sua própria transição alimentar para o vegetarianismo estrito.
Entretanto, o mais eficiente seria que os Governos, cientes dos malefícios do sistema alimentar à base de animais para a biossegurança global, planejasse e implementasse políticas públicas de estímulo para a transição econômico-alimentar. Como os governos democráticos são eleitos, não deixa de ser uma escolha pessoal também votar em políticos e pressioná-los para a adoção desta agenda premente.
Com uma letalidade estimada (percentual de mortes em relação ao número de infectados) de 0,2%, a COVID-19 provoca um impacto socioeconômico sem precedentes em muitas décadas, vitimando, até o momento, mais de uma pessoa a cada 1.000 habitantes no Brasil. Dá pra imaginar o impacto de uma pandemia com um patógeno 100 vezes mais letal? O risco para uma epidemia desta magnitude ocorrer é grandemente aumentado pelo costume, nada ético, de se alimentar com derivados animais. Suas escolhas de consumo pessoais e sua cidadania podem mudar esta realidade!
Danilo Coelho
MD, MPP, PhD (candidato)
Referências:
PAIM C.S.; ALONSO W.J. Pandemias, saúde global e escolhas pessoais. 2020: Cria Editora, Alfenas/MG. 83 p.
COELHO, D.N. Emergências em Saúde Pública por Eventos Químicos, Biológicos, Radiológicos e Nucleares (QBRN) na Perspectiva de Inteligência Estratégica: Recomendações de Intersetorialidade na Segurança da Saúde e na Biodefesa. Dissertação de Mestrado. Brasília: Fundação Oswaldo Cruz, 2017.
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