O papel das emoções na determinação das motivações morais do vegano.
O veganismo representa uma visão de mundo e uma maneira de viver que compreende, dentre outras, questões relativas à saúde, ao meio ambiente e aos valores morais. Para muitos indivíduos, trata-se de uma forma de melhorar a sua saúde física, promover uma experiência de paz interior, elevar a autoestima e realizar uma conexão mais profunda e harmônica com a natureza. Além desses elementos, o vegano, ao escolher esse modo de vida, firma também uma posição moral baseada em juízos e crenças que jamais estão dissociados daquilo que ele sente.
De fato, a nossa conduta moral está impregnada de experiências sensoriais que lhe servem de fonte de motivação. Por isso, os componentes éticos relacionados ao modelo de vida vegano se traduzem por meio da condenação dos vários tipos de exploração e crueldade que são praticados contra os animais não humanos.
A veganismo implica, da mesma forma, uma posição moral diante daquilo que nos causa repulsa ou indignação. Ademais, mesmo sabendo que a tais sensações se aliam julgamentos e atitudes, devemos identificar quais as principais experiências sensoriais que motivam o sujeito a adotar o veganismo como um modo ser e viver e qual o papel das emoções na constituição das decisões e condutas dos seus adeptos.
Não deixa de ser evidente o fato de que temos dificuldade em estabelecer uma relação de correspondência entre os sentimentos e os postulados éticos que guiam as nossas atitudes, pois nem sempre conseguimos traduzir, em forma de enunciados normativos, todas as nossas vivências sensoriais. Com efeito, o universo das experiências afetivas é complexo, difuso e multifacetado, por isso as razões que elencamos para explicar os nossos comportamentos nem sempre conseguem dar conta das causas e motivações sensoriais que nos fazem agir.
A ideia de que existem crenças e juízos morais que mobilizamos para justificar o veganismo se afigura inquestionável. Porém, convém identificar como tais convicções se ligam aos nossos sentimentos e como estes operam nos processos de decisão que nos levam a adotar ações reputadas morais em relação aos homens e, no caso do veganismo, em face dos animais não humanos.
O primeiro passo consiste em reconhecer que tais escolhas estão ancoradas em determinadas emoções morais, como a empatia, a compaixão, a culpa e a indignação, as quais servem de motus para a nossa conduta.
O veganismo implica, pois, uma prática motivada por inúmeras experiências sensoriais que nos impulsionam a pensar e a agir promovendo aquilo que julgamos ser da ordem do bem e repudiando o que consideramos pertencer à esfera do mal. Assim, a tomada de consciência da morte ou do sofrimento que atingem os animais destinados ao nosso conforto e prazer tem sido associada aos sentimentos de empatia, compaixão, tristeza, culpa ou indignação que experimentamos em face das ações que os vitimizam. Tais emoções podem ocorrer isoladamente ou de forma conjunta e, com isso, pulsar o indivíduo a reorientar o seu estilo de vida e a adotar práticas balizadas por princípios e convicções morais.
Acerca das emoções morais acima mencionadas, tudo se passa como se a empatia fosse menos determinante na constituição do modo de vida vegano do que, por exemplo, a culpa que podemos sentir quando promovemos ou contribuímos para o sofrimento ou a extinção da vida de outro animal. Ora, a empatia é uma resposta espontânea (inclinação natural) que manifestamos diante dos sentimentos expressos pelo outro e que, de alguma maneira, podemos compartilhar sob a forma de compaixão ou lamento piedoso. Enquanto isso, a culpa é um estado emocional de caráter moral que vivenciamos quando somos persuadidos, pelos nossos julgamentos e crenças, de que agimos de forma imprópria ou nociva contra alguém ou contra nós mesmos. Como, ademais, não podemos estender a empatia a todos os animais que sofrem ou morrem em qualquer circunstância, situação ou parte do mundo, o sentimento que teria mais influência sobre a nossa decisão de adotar práticas veganas seria a culpa, essa emoção moral que, nesse caso, nos impele a agir em defesa de tais animais.
Evidentemente que não podemos descartar a presença de outras emoções conjugadas à empatia e à culpa, a exemplo da indignação, do desgosto, do nojo, da tristeza, as quais também suscitam motivações que podem determinar a adesão do sujeito ao veganismo.
Disso se infere que os postulados científicos, os argumentos racionais, as construções filosóficas e as teorias morais são necessários, mas não suficientes para engendrar atitudes naqueles indivíduos que não têm suas faculdades sensoriais afetadas pelos eventos do mundo. Aliás, não nos faltam informações sobre o que acontece aos animais nos abatedouros, nos zoológicos, na pecuária industrial ou nos laboratórios de pesquisa.
Porém, o despertar da consciência se dá pela via da sensibilização, tendo esta uma superveniência sobre aquilo que se convencionou chamar de “conscientização”. Isso faz com que o veganismo, antes de ser uma questão de convicção ou de conhecimento, seja, na verdade, uma postura fomentada por sentimentos. Estes são a fonte das motivações que nos levam a escolher, decidir e adotar uma atitude baseada nos novos princípios que devem reger as relações homem-animais não humanos.
Por isso, convém ressaltar o papel das emoções na determinação da nossa conduta moral, haja vista que a natureza e a intensidade do que sentimos se impõem como uma força motivacional mais potente do que o conteúdo do que pensamos. Na verdade, nossas decisões e escolhas são antecedidas por um conjunto de experiências sensoriais que, não raro, estão em disputa pelo controle da nossa vontade. Nesse embate de sensações, vence aquela que faz prevalecer a sua força diante de outra que se lhe opõe. Isso se explica pelo fato de que, como bem indicavam Baruch Spinoza (1632-1677) e David Hume (1711-1766), o contrário da emoção não é a razão, mas uma emoção contrária. Com efeito, é possível que a culpa desencadeada pelo consumo de produtos de origem animal não seja mais intensa do que o prazer que tal prática ainda propicia ao sujeito. Acrescente-se a isso o fato de que nem todos sentem culpa, empatia ou compaixão pelo animal que sofre ou morre e, mesmo quando vivenciam tais sentimentos, estes não são suficientemente potentes para orientar escolhas, engendrar decisões e promover ações de repulsa e condenação.
Assim, após repertoriar o papel das emoções na constituição do modo de vida vegano, uma conclusão se impõe: a razão é capaz de fornecer ao veganismo a verdade que lhe justifica, porém são as emoções que garantem a firme motivação que lhe faz surgir e a força serena que lhe permite existir.
Marconi Pequeno
Professor Titular de Ética no Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Filosofia pela Universidade de Strasbourg II e Pós-Doutor em Filosofia pelas Universidades de Montréal e Paris X (Nanterre), colunista do: www.bloguesia.com
REFERÊNCIAS
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HUME, David. Tratado da natureza humana. São Paulo: Editora UNESP, 2001.
KELTNER, D.; JONATHAN, H. Social Functions of Emotions at Four Levels of Analysis, Cognition and Emotion, v. 13 (5), p. 505-521, 1999.
KIDWELL, B.; HARDESTY, D. M; CHILDERS, T. L. Emotional Calibration Effects on Consumer Choice, Journal of Consumer Research, v. 35 (4), p. 611-21, 2008.
PASSYN, K; SUJAN, M. Self Accountability Emotions and Fear Appeals: Motivating Behavior, Journal of Consumer Research, v. 32 (4), p. 583-89, 2006.
PEQUENO, Marconi. A moral e as emoções. Curitiba: Editora CRV, 2017.
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SPINOZA, Baruch. Ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2007.
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