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  • Foto do escritorMarconi Pequeno

A ÉTICA AMBIENTAL E O NOSSO DE CIVILIZAÇÃO

Origem, alcance e possibilidades de uma ética da natureza.


Ao longo de séculos, o pensamento filosófico pretendeu fornecer os postulados necessários para se fundamentar uma ética que pudesse nortear a relação entre os indivíduos em sociedade. A ética, em sua configuração de filosofia moral, surge, inicialmente, como uma teoria das virtudes (Aristóteles), torna-se uma doutrina do dever (Kant) até se constituir como um conjunto de princípios baseados no critério de utilidade e na postulação de uma vida feliz para a maioria dos seres humanos (Jeremy Bentham, Stuart Mill).


Durante esse percurso que começa na Antiguidade clássica até o século XIX, a questão que envolve as relações humanas adquiriu uma hegemônica centralidade nos debates e formulações teóricas das supracitadas correntes. Nesse sentido, pouco se discutiu sobre a relação homem-natureza sem que o poder, a supremacia e a centralidade do humano fossem afirmados sobre os demais seres vivos. No transcorrer desse percurso, as questões referentes à proteção ou defesa do meio ambiente eram ignoradas ou simplesmente ocupavam um lugar de pouca relevância no rol das preocupações dos filósofos da moral.


Parte desse desdém teórico explicava-se pela ideia de que a natureza é inerte, carente de valores e deve estar a serviço dos interesses humanos de controle, transformação e produção. Assim, pelo fato de o mundo natural não possuir valor intrínseco, os seres humanos seriam os legítimos guardiões e detentores de todo o patrimônio natural do Planeta. Para tanto, foi criado todo um aparato técnico-científico visando concretizar tais propósitos. Nesse cenário, a ciência instrumental, que concebe a natureza como a esfera factual do ser, não poderia se deixar tutelar por aquela instância que trata do dever-ser: a ética.





Despertar para a necessidade da defesa do meio ambiente:


Somente a partir da segunda metade do século XX ocorreu um despertar para a necessidade de defesa do meio-ambiente e isso surgiu justamente no momento em que a potência tecno-científica se tornou objeto de crítica em razão dos seus excessos deletérios, dos acidentes provocados e da devastação causada pelos seus instrumentos de aplicação. O controle ostensivo do homem sobre a natureza acarretou não apenas enormes impactos ambientais, mas também despertou o interesse e a mobilização de uma parte da opinião pública, de agentes sociais, dirigentes políticos e autoridades para os problemas gerados pelo nosso atual modelo de civilização.

É nesse cenário de dúvidas, inquietudes e perplexidade que emerge a ética ambiental. Ela, inicialmente, surge para regular, em termos axiológicos, a relação saber-poder, homem-natureza, ciência-consciência.

A fim de atingir tais objetivos, tal corrente se propõe a oferecer diretrizes ou instruções normativas destinadas a proteger a natureza e evitar que as ações humanas balizadas pelo controle técnico e pelo desejo de exploração desordenada dos recursos naturais continuem a seguir sua marcha de destruição. Com isso, ela pretende, por meio da preservação do ecossistema, garantir a efetivação dos interesses humanos mais elevados: sobreviver e oferecer, como legado, um planeta saudável às futuras gerações. Porém, uma ética ambiental consistiria não apenas em proteger, por meio de valores, princípios e normas, a vida dos seres sencientes, mas também a natureza em sua totalidade. Isso envolveria a defesa e a proteção de rios, florestas, ecossistemas, recursos naturais e de tudo aquilo que constitui a biosfera.

Ética Ambiental e Biocentrismo:


A ética ambiental se impõe, ademais, como uma ferramenta teórica com propósitos práticos que busca criar uma forma saudável e harmoniosa de interação dos seres humanos com a natureza. Tenta-se, com isso, combater o antropocentrismo ainda dominante no nosso contexto societário em favor do biocentrismo, isto é, de uma concepção que reconheça e valorize a importância de todas as formas de vida.


O biocentrismo moral constitui uma ética aplicada à Natureza (uma Ética da e pela Vida, não uma ética para o uso da vida), baseada no princípio de que todos os organismos vivos devem ter status moral.

Assim, na perspectiva de uma ética ambiental biocêntrica, um mundo com seres vivos tem mais valor que um mundo sem a presença deles. Nesse sentido, tenta-se superar os sistemas éticos fundados sobre a racionalidade, a autoconsciência ou a senciência, uma vez que a ética ambiental considera que todos os seres vivos possuem importância e devem ter sua dignidade natural reconhecida. Trata-se, finalmente, de colocar o valor da natureza sob a égide de um padrão ético mais amplo e diversificado e, com isso, criar mecanismos normativos capazes de garantir a sua integridade e assegurar a sua proteção. Por fim, a ética ambiental é parte integrante de uma bioética que defende o valor do “bio-respeito” pela biosfera em proveito dos homens e dos demais seres vivos.


Marconi Pequeno

Professor Titular de Ética no Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Filosofia pela Universidade de Strasbourg II e Pós-Doutor em Filosofia pelas Universidades de Montréal e Paris X (Nanterre), colunista do: https://www.bloguesia.com


REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos, Brasília: Editora da UnB, 2001.

BENTHAM, Jeremy. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Editora Abril. 1974.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes, Lisboa: Edições

70, 1980.

LANDIM, Maria Luiza. Ética e natureza. Rio de Janeiro: UAPÊ, 2001

MILL. Stuart. Utilitarismo: Introdução, tradução e notas de Pedro Galvão. Porto: Porto Editora, 2005.

SINGER, Peter. Ética Prática. Lisboa: Gradiva, 2000

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