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Foto do escritorMarconi Pequeno

A QUESTÃO AMBIENTAL, SEUS DESAFIOS E SUAS ENCRUZILHADAS

Como harmonizar o biocentrismo dos meios e o antropocentrismo dos fins?



A questão ambiental constitui-se como um tema crucial, complexo e desafiador, pois o problema ecológico, direta ou indiretamente, nos atinge e, sobretudo, tende cada vez mais a colocar em xeque o nosso atual modelo de civilização. Tais encruzilhadas estão ancoradas em algumas indagações fundamentais: a partir de qual momento a ação humana sobre a natureza passou a revelar a sua face devastadora? O que suscitou o despertar de governos, populações e indivíduos para os problemas oriundos da devastação ambiental, da crescente poluição e das mudanças climáticas? Quais os desafios e perspectivas que se oferecem às ações de proteção, sustentabilidade e equilíbrio do meio ambiente em um mundo marcado pelo afã produtivo e pelo frenesi consumista? É possível enfrentar o problema ecológico sem levar em conta a sua origem e os seus pressupostos?


As causas mais profundas dessa situação podem ser encontradas no processo que gerou o desenraizamento do homem do mundo natural, cujo distanciamento gradual deu-se de forma diretamente proporcional ao controle, manipulação, transformação e destruição do meio ambiente. Isso porque a relação homem-natureza é o terreno sobre o qual a história humana se desenrolou em suas dimensões cultural, social, política, ideológica, econômica, jurídica e ética. Além disso, a ação do ser humano sobre a totalidade que o envolve (o mundo natural) está na raiz do desenvolvimento das ciências, do progresso econômico, do bem-estar social e das grandes conquistas materiais da nossa civilização.


Essa relação atesta ainda a supremacia de um tipo de antropocentrismo que, na modernidade, suplantou a concepção metafísico-teleológica de natureza, então vigente na Antiguidade, substituindo-a por uma compreensão científica do mundo natural. Este, que antes gozava de um valor intrínseco, passou a ser compreendido como uma totalidade física autônoma passível de ser transformada, utilizada ou mesmo destruída para atender aos interesses humanos. Eis o momento em que o antropocentrismo atinge o seu paroxismo.


A emergência do humanismo antropocêntrico trouxe também consigo a hegemonia da razão instrumental, da sua força transformadora e do seu poder de controle dos nossos espaços vitais. O problema tornou-se mais aterrador a partir do momento em que a potência tecnocientífica, ao prometer progresso e bem-estar materiais, possou também a colocar em risco o futuro do Planeta e a sobrevivência da humanidade. No enfrentamento de tais desafios, duas concepções de homem e de natureza se digladiam.




De fato, as discussões acerca das estratégias mais adequadas para tratar da questão ecológica estão ainda enredadas no binômio antropocentrismo-biocentrismo. No primeiro caso, sugere-se mudanças em nosso modo de ser e viver, preservando, porém, o substrato antropocêntrico de algumas conquistas da modernidade (razão, ciência, liberdade, autonomia, progresso), a exemplo do que propõem alguns autores, como é o caso de Luc Ferry, Shellenberger e Nordhaus. Enquanto isso, a perspectiva biocêntrica defende que a humanidade precisa manter relações de cooperação e de simbiose com a natureza, preservando a biodiversidade do Planeta e conferindo dignidade aos demais seres vivos.


Essa posição tem sido defendida, com variações de tratamento e nuances teóricas múltiplas, por Arne Naess, Bill Devall, George Sessions, Aldo Leopold, dentre outros. Nessa mesma perspectiva, Michel Serres e Hans Jonas, assim como acontece com a maior parte dos defensores do biocentrismo, consideram que os seres naturais possuem um valor intrínseco e devem ser concebidos como sujeitos de direitos. Além disso, eles defendem a ideia de que a responsabilidade que temos para com as gerações futuras deve assumir a condição de uma categoria ética central.


Em face desse confronto de posições, há ainda uma proposta mitigada que pretende resguardar os avanços da herança iluminista (racionalismo, progresso científico, liberalismo econômico) sem negligenciar as preocupações com a preservação do meio ambiente. Com isso, tenta-se constituir um modelo que leve em conta a complexidade do problema a fim de evitar as simplificações que alimentam a sinistrose dos eco-escatologistas que nada fazem para mudar aquilo que denunciam, pois estão muito ocupados em gritar: “estão destruindo o nosso Planeta”! Assim, mais do que apostar em um despertar de consciências, o fator essencial consiste em promover uma mudança de postura e atitude de cada indivíduo para o enfrentamento do problema. Este despertar se daria por meio da educação ambiental, da sensibilização e da ação resoluta das Instituições, Órgãos e agentes estatais para coibir essa potência destruidora e seus mecanismos de devastação.


Não obstante as várias perspectivas de abordagem do problema ecológico, o desafio consiste em criar instrumentos normativos visando à orientação dos indivíduos para as boas práticas ecológicas e para disciplinar as atividades econômicas com base em critérios de defesa, preservação e sustentabilidade dos diversos ecossistemas que compõem a biosfera. Assim, pode-se pensar na formulação de uma ética ambiental que possa ajustar o modus operandi dos sujeitos produtivos aos interesses vitais de sobrevivência humana e proteção ambiental.


Nesse sentido, as intenções, iniciativas e planos de ação não devem desconsiderar a complexidade desse problema, nem, tampouco, desconhecer que a crítica ao nosso atual modelo de civilização não pode ocorrer sem o reconhecimento dos seus avanços e conquistas. Isso porque, não obstante os seus desvios, excessos e acidentes, o desenvolvimento técnico-científico ajudou grande parte da humanidade a se emancipar das forças da natureza e a superar o tribalismo, a escravidão, a morte prematura e a miséria material. O grande desafio consiste, pois, em combater o mau emprego dos meios sem eliminar os benefícios dos fins.


Marconi Pequeno

Professor Titular de Ética no Departamento de Filosofia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Filosofia pela Universidade de Strasbourg II e Pós-Doutor em Filosofia pelas Universidades de Montréal e Paris X (Nanterre), colunista do Bloguesia.


REFERÊNCIAS

DEVALL, Bill; SESSIONS, George. Ecologia profunda. Águas Santas – Portugal: Edições Sempre-em-Pé, 2004.

FERRY, Luc. A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem. São Paulo: Ensaio, 1994.

GARRARD, Greg. Ecocrítica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade. Rio de Janeiro: Contraponto, Ed. PUC-RIO, 2006.

LANDIM, Maria Luiza P. F. Ética e Natureza. Rio de Janeiro: UAPÊ, 2001.

LEOPOLD, Aldo. Pensar como uma montanha. Águas Santas/Portugal: Edições Sempre-em-Pé, 2008.

NAESS, Arne; SESSIONS, George. Basic Principles of Deep Ecology, The Anarchist Library, 1984.

SERRES, Michel. O Contrato natural. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.

SHELLENBERGER, M.; NORDHAUS, T. 2004. The Death of Environmentalism. Global Warming Politics in a Post-Environmental World. The Breacktrought institute.

SINGER, Peter. Libertação animal. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

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